14 outubro, 2007

Fragmentos #1

Entrou em trabalho de parto no metrô, entre duas estações. Sua respiração ficou curta, ofegante e ressonante. Um filete de água saía dos seus pés, passando pelos pés da filha de oito anos e escoava pela fresta da porta. A filha que em breve deixaria de ser unigênita, gritou baixo e agudo. Logo todos os olhares do vagão se voltaram para a mulher oriental de proeminente barriga. Ninguém sabia bem o que fazer. O polaco que tomava uma lata de cerveja pensou em oferecer um gole à mulher, já não raciocinava bem após a décima-sexta latinha. Tomaria a de número dezessete, sentado no banco de uma estação que não era a sua, mas afinal qual seria seu destino? O rapaz que carregava um buquê de flores vermelhas tomou o cuidado de colocá-lo, delicadamente, sobre um banco vazio,antes de se aproximar da gestante. Mais tarde, a namorada recente custaria a acreditar em tal desculpa por não ter recebido nem flores, nem nada, no seu aniversário de um mês. No Natal o bebê provaria chocolate pela primeira vez, sua irmã mais velha, nunca teria filhos, marcada pelo trauma do parto na estação. Muitos meses depois, um cão, filhote ainda, ao passear com seu dono, um negro calado e triste, ficou ouriçado com um cheiro inédito que sentiu num vagão qualquer.

Nenhum comentário: