02 maio, 2006

NADA

Nada. O que? Nada! Virou-se e foi embora. Três dias depois estava de volta. Desta vez estava mais sereno. O casaco pesado lhe dava uma aparência séria, destoante do clima informal e desleixado de seu all-star sujo e furado. Seu olhar estava cheio de sonhos, tão cheio que parecia estar preocupado, mas já havia passado desta fase, agora só vislumbrava os possíveis porvires, sem medo. No espelho lateral viu seu rosto e se descobriu uma pessoa diferente. Lembrou-se de seu pai, se distraiu em pensamentos e só voltou à realidade quando ela chegou. Pela primeira vez em semanas se abraçaram, e pela primeira vez por iniciativa exclusivamente dele. Ela gostou. Seguiu-se ao abraço uma troca de olhar prolongada, cuja duração não pode ser medida, pois nessas situações cada um tem sua percepção própria do tempo. Ela estava vestida somente com uma camisa de malha gasta e confortável, suficiente para a decência. Levava os cabelos desgrenhados, os olhos inchados, como de quem chorara ou acabara de acordar. Fizera as duas coisas. Ele não percebeu, apenas via nos olhos dela o pedacinho de alma, que Deus deixou amostra quando criou o homem. Ele respirou fundo e com a expiração soltou, E aí? Veio hoje à noite, respondeu ela sem pausa. Não se disse mais nada. Ele largou seu corpo e agachado chorou. Ela se aproximou tocou-lhe na cabeça. Ele enlaçou com os braços suas coxas e recostou a cabeça no ventre dela. Foi segundo momento de maior intimidade dos dois.

Leonardo de Oliveira Cunha

16 de maio de 2005