18 junho, 2010

O dia em que apertei a mão de Saramago

Minha vida mudou no dia em que meu amigo Reynaldo me emprestou um exemplar do livro "Ensaio sobre a Cegueira" do então recentemente laureado Nobel de Literatura José Saramago. Era todo um mundo novo de sensações e imagens, estilo e linguagem.

Desde então li muitos outros livros do Saramago, com destaque para "O evangelho segundo Jesus Cristo", que comprei num sebo no Maletta com intuito de ler durante minha viagem de mochilão à Espanha. E assim foi, comecei no avião e terminei alguns dias após voltar ao Brasil. Aqueles personagens me fizeram companhia e me conectavam com o português. Saramago me fez admirar mais e mais nossa língua e nossa relação com Portugal e outros lusófonos.

Certo dia soube que Saramago viria a Belo Horizonte em 30 de outubro de 2005. Valeu a correria para comprar o livro que ele vinha lançar, "As intermitências da morte". Valeu a espera para conseguir entrar no Grande Teatro do Palácio das Artes cujos mais de 1500 lugares estavam lotados.

Entrou aquele senhor de mais de 80 anos, alto e vigoroso, aplaudido de pé. Na sua firme serenidade, falou sobre o livro e sobre diversas questões. Não se deteve em criticar a perfomance que uniu um violoncelista a dois atores lendo passagem de seu romance.

Ao final uma sessão de autógrafos, uma enorme fila e na ponta José Saramago solícito e altivo. Assinou meu "As intermitências da morte", como combinado, escrevendo apenas seu nome e data. Pedi-lhe então que autografasse também "Ensaio sobre a Cegueira" que havia presenteado a Julieta. Foi quando ela lhe disse "O evangelho segundo Jesus Cristo mudou minha vida, agora estou lendo o Ensaio sobre a Cegueira" e José respondeu, levemente sorrindo, "e estás a tornar a mudar", ou algo assim. E nos apertou as mãos. Valeu Saramago!

Hoje recebo a notícia de sua morte e, apegado, penso que o queria mais entre nós. Ateu que era consideraria este o fim definitivo de sua existência, mas sua obra o eterniza. E de todo modo vale a frase inicial do livro que tenho autografado "No dia seguinte ninguém morreu" o que se torna hoje verdade, ao menos para ele.

Fotos daquele dia.