19 janeiro, 2007

7 - E&G


A manhã estava clara e promissora, a família toda animada para a festa. Cada um tinha
seu motivo próprio. D. Nena, a avó estava ansiosa por ver mais um neto
experimentar pela primeira vez o corpo de Cristo. Jonas, o pai sempre se
esbalda nestas festas de família, adora ver os primos, azucrinar os cunhados,
atiçar as meninas. Nívea, a mãe que preparara com esmero a festa esperava a
repercussão do evento. Lucas que freqüentou por dois anos o catecismo, para
preparar-se para esse momento da primeira Eucaristia,
não sabia o que esperar, nem bem se importava, tinha preguiça de ter de receber
tantos comprimentos de gente que ia dizer: olha como cresceu; ficou a cara da
mãe; é o pai escrito; já é um homenzinho. Mas nenhum desses personagens será o
alvo das atenções dessa história, nem serão eles os para sempre lembrados nas
reuniões vindouras e até em outros círculos onde sempre há um que conhece
alguém que estava ali naquele domingo de sol.


A cerimônia correu em sua naturalidade, gente contando piada do lado de fora da igreja,
gente chorando, um bando de meninos cantando desafinados. E depois dali toda a
família e amigos rumaram para a casa de campo de Jonas. O ambiente estava
diferente do usual, com trigos por toda parte, cruzes e anjos que davam um ar
mais sacro ao local. Mas o que estava para acontecer era muito mais profano que
sagrado, mais vicioso que virtuoso. Até o meio-dia nada de anormal, foi aí que
Nívea começa a chamar os convidados para o almoço, a mesa estava bonita e
apetitosa, pratos para todos os gostos. Como era comum, os mais idosos se
sentaram e se serviram primeiro, seguidos logo pelas crianças, os jovens não
pensavam em almoçar e os adultos não deixariam a cerveja pelo jantar tão cedo.
Mas havia uma exceção, um sobrinho de Jonas, o que não era de se estranhar,
pois com seus 16 anos de idade já pesava 120kg. Mantê-los não deve ser fácil.
Pois o rapaz se sentou ali e começou com uma discreta salada, o que não
causaria espanto em quem o conhecesse, pois seguro que ele não ficaria só
nisso. Dito e feito logo comeu dos pães dos quais havia toda sorte, servidos
com toda a variedade de patês. Isso acompanhado de refrigerante, às vezes suco.
E as pessoas se sentavam, comiam, se levantavam e ele continuava ali, comendo
como quem começara agora. E comeu da picanha, da massa, strogonoff de carne, de
frango. Por vezes voltava à picanha ou à galinha. Não era muito notado, de quando
em quando passava uma velha e dizia: ô beleza! Dá gosto de ver esse menino
comendo. Um homem obeso perguntava: o que você recomenda garoto? E ele não
parava e a comida não faltava, as festa de Jonas e Nívea eram famosas pela
fartura. Até que os adultos em elevado grau de embriaguez finalmente resolveram
almoçar ou jantar se preferirem dado o avançado das horas. E o garoto, pelos
olhos dos homens, estava ali para comer pela primeira vez, pela única como
diria a lógica. Até o último bebum comeu, o suficiente para curar a bebedeira,
e bateu nos ombros do garoto: Você come muito devagar! Sem se dar conta de que
no tempo em que ele comia sua canja de galinha o garoto tinha comido três vezes
mais. Foi só então que se notou que algo estranho acontecia, a empregada já
queria limpar a mesa, guardar as sobras na geladeira, e o rapaz lhe pediu que
deixasse que ele terminaria com o resto. Uma tia interveio: Mas você não vai
dar conta, e não precisa amanhã a gente dá pro caseiro. O garoto só respondeu
abraçando a travessa de lasagna. Daí começam os cochichos: ele já está comendo
há duas horas. Que nada, há mais tempo! Será que ele não tem comida em casa!
Tem de ter, né, senão não seria tão gordo. Gordo não obeso, retrucou uma tia
acima do peso. E quando toda a atenção se voltou para os rumores e o garoto foi
esquecido, ouviu-se um barulho, que mais tarde ia ser caracterizado como: um
vulcão em erupção; mar em dia de ressaca; a pororoca do São Francisco, mas
nenhum fenômeno da natureza foi tão assombroso para aquela gente quanto o que
se viu ali. Aquela montanha de gordura e banha jazia ao lado da mesa. De pronto
uns homens se arriscaram a tentar levanta-lo, em vão. O rosto estava virado
para o chão e na mão segurava uma coxa de galinha, escorria uma poça de um
líquido que alguns mais desesperados pensavam ser sangue, mas não passava de
Coca-Cola. Alguns gritavam seu nome, qual era seu nome não importa, as lendas
não precisam de nomes, são chamadas do modo que queira quem conte a história. O
que passou depois disso ninguém sabe ao certo, o boca a boca criou diferentes
versões, cada um aumentava um ponto como deve um bom contador de histórias, e
disso eu não me redimo. Alguns dizem que ele morreu e foi preciso chamar os
bombeiros para leva-lo à funerária. Os mais simplórios dizem que foi congestão,
outros dizem que ele vomitou toda aquela comida, que era tanta que o pulmão não
agüentou o esforço. Seus seguidores falam que ele engasgou com o osso de
galinha, que comida ele agüentava muito mais. Uma versão mais bizarra, mas que,
entretanto conta com muitos adeptos, diz que ele foi levado para casa e acordou
um tempo depois, contudo tomado pela vergonha não quis sair dali e passou a não
suportar mais nem ver comida, com isso foi emagrecendo, tanto ao ponto de
morrer anorexo.




O fato foi que nunca mais houve uma festa de Jonas e Nívea, que nunca tocaram no assunto. Tentaram vender a casa de campo, mas não se encontrava pretendente na região.
Lucas nunca mais foi à Igreja, nem para casar. Mas essa história estava sempre
na boca dos Padres que nas predicas a usavam para mostrar como o pecado da Gula pode ser danoso.

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