O parto do Henrique
começou ainda na gestação da Manuela. Julieta tinha já uns sete
meses de gravidez. Vínhamos lendo, estudando, pesquisando, mas ainda
não sabíamos o suficiente. Tínhamos mais informação sobre a
gravidez em si, até sobre cuidados com um recém-nascido, mas muito
pouco sobre o parto. Foi lendo o relato de parto da Letícia que
atinamos para esta falha e novas janelas se abriram. Os encontros do
grupo Bem Nascer também foram importantes, muito mais relevantes e
esclarecedores que os cursos de maternidades tradicionais. Seguiu-se
muita conversa, leitura e vídeos. A tecnologia hoje permite
compartilhar experiências mundo afora, inclusive no audiovisual, que
aumenta o impacto. Assistimos também ao belo longa “Orgasmic
Birth”, na época ainda não existia o nacional “O Renascimento
do Parto”. Entramos em contato com uma doula, figura que a
princípio eu não entendia e chegava a achar despropositada, mas que
se mostrou de suma importância.
E assim foi se
desenhando o parto da Manuela, um parto vaginal sem analgesia na
suíte PPP (pré-parto, parto e pós-parto) do Hospital Dia e
Maternidade Unimed, com uma médica que pouca ou nenhuma experiência
tinha neste tipo de parto e duas doulas. Foi maravilhoso, mas poderia
ser melhor.
Nos três anos que
se seguiram, Julieta esteve cada vez mais engajada na causa do parto
humanizado. Houve o parto da Flávia em São Paulo, Miguel não
nasceu em casa por um detalhe. E vimos que a transferência para o
hospital num parto domiciliar é possível e tranquila. Houve o parto
da Natália no Rio de Janeiro, e o outro Miguel, contra todos os
lugares-comuns, nasceu em casa, num VBAC (Parto Normal após Cesárea)
com seus mais de 4 quilos e mais de 40 semanas de gestação.
O caminho natural
era que nosso segundo filho nascesse no conforto da nossa casa.
Contudo, havia ainda alguns receios. Ao nos livrarmos dos incômodos
que um hospital traz, passaríamos a assumir ainda mais
responsabilidades e riscos. Tivemos então todo apoio do médico
ginecologista obstetra, da equipe de enfermeiras obstetras e da
doula. A Julieta é uma mulher forte e interessada, ao lado dela é
fácil tomar decisões. Não é um caminho, fácil. Não é para
qualquer um, mas também não para tão poucos. Cria-se uma cultura
do medo, que põe a mulher numa posição submissa e fragilizada.
Vende-se que a cesárea, uma cirurgia de médio porte, é mais segura
que um parto normal. Levou-se para o hospital mais um evento
corriqueiro, hoje nasce-se e morre-se num ambiente um tanto hostil e
nada familiar. Poucos têm conseguido se livrar desta sina.
Outra preocupação
era o papel da Manuela no nascimento do irmão. Ela sempre foi muito
racional, mas ainda assim não deixa de ter apenas três aninhos e
o elemento mágico fantasioso é muito forte e importante. Nossa então
unigênita deve muita dificuldade para lidar com a ansiedade da
espera do bebê. Se fossemos para uma maternidade e a deixássemos
com os avós, seria penoso, pois isso nunca aconteceu antes na sua
vida. Em casa seria mais fácil, embora durante o trabalho de parto
não sabíamos como proceder com ela.
No fim da tarde de
sexta-feira, após sessão de massagem e escalda-pés com a Doula,
Julieta foi tendo contrações cada vez mais amiúde e regulares.
Sabíamos que a noite ia ser longa. Fui pra cama com a Manuela. É
comum que após um tempo comigo, findas as histórias, ela chame pela
mãe. Não foi assim naquela noite. Demorou um par de horas, mas ela
dormiu sem reclamar. Nisto, Julieta estava no chuveiro com tantas
contrações que mal conseguiu ligar para a doula. Esta chamou as
parteiras. Comecei então os preparativos. Logo chegaram, a doula e
as enfermeiras. Não houve tempo para ansiedade da minha parte. No
quarto do Henrique, inflamos a piscina e começamos a esquentar água
para enchê-la. E isso levou tempo. A cada chance ia ver a Julieta,
que estava concentrada e cada vez mais perto da “partolândia”,
com ocitocina a mil. As meninas da equipe me diziam que não ia
demorar, mas eu parecia não acreditar. Perguntei se já podia ligar
para minha irmã, que queria assistir ao parto do futuro afilhado.
Liguei por volta das 22:40. Mal a banheira tinha água suficiente,
Julieta passou do nosso quarto para lá. Vinha trazendo um balde de
água quente quando me deparei com um quarto tomado por uma luz azul,
Julieta sentada na água com um sorriso no rosto, sendo acariciada
pela parteira. Foi o último balde. Disseram – já está vindo,
ainda não dei muito crédito, o expulsivo ainda deveria durar uma
meia-hora. Pois armei a câmera no tripé e vi que a coisa não seria
bem assim. Após poucas contrações e um leve grito, vi o rostinho
do Henrique aparecer sereno. Depois de mais uma contração ele
acabava de vir para este mundo. A enfermeira desfez duas circulares
de cordão que ele tinha. Era um bebê cumprido, parecia que não
acabava de sair. Chorou o choro da mudança. Foi para os braços da
mãe, onde se aconchegou pele com pele, e onde pude acariciá-lo.
Como fiz com a Manuela, agora primogênita, Julieta cantou para o
recém-nascido, que de pronto mamou, e o fez por muitos minutos.
Minha irmã chegou neste momento, com os dois ainda na água. Nosso
filho só saiu do colo da mãe, para vir para o meu, o do pai. A
felicidade e a sensação de plenitude são indescritíveis. Tinha
cortado o cordão umbilical, que havia pulsado pelo tempo que
precisou. Mais tarde veio a placenta, que tomou seu tempo para sair.
Deram os pontos, na pequena laceração que a mãe sofrera, e foi o
único momento que vi Julieta gemer de dor. A equipe, cuidou da
limpeza do quarto, guardou os equipamentos que não se fizeram
necessários. Aninhados, contemplávamos nossa cria. Eram duas da
manhã, e os pais da Julieta, chegaram trazendo uma deliciosa sopa de
legumes, que nos reabasteceu a todos. Às três, estávamos dormindo
os três, na nossa cama.
Henrique nasceu dia
18 de abril de 2014, às 23:15, pesando 3,76Kg e medindo 53cm. A Manu
ficou dormindo e não viu nada, na manhã seguinte, acordou com a
surpresa. E fez a pergunta inocente; mamãe, você estava dormindo
também?
Foi tudo lindo e
perfeito, se é que existe perfeição. Mas não posso deixar de
glorificar o papel da Julieta que se empoderou e assumiu o
protagonismo do momento mais feminino da humanidade. Que outras
mulheres sigam este exemplo. Tenho memórias para toda vida que este
relato só resvalou. Henrique é um presente que veio completar nossa
família.