23 novembro, 2005

Todo dia

Todo dia, não falhava um. Acordava escolhia uma galinha das que viviam no quintal nos fundos da casa e a matava, com um certeiro e profundo corte no pescoço pelado. O sangue vermelho e caldolento escorria e preenchia uma bacia azul de plástico. Seguiam-se todos os procedimentos de preparo de uma galinha. Quando a dita estava no ponto de ser posta na panela, ele a guarda no pequeno freezer horizontal que congestionava a pequena cozinha/copa. Estando tudo em ordem, voltava ao quintal agora para alimentar as galinhas sobreviventes. As sete horas da manhã, João, esse era seu nome, ia trabalhar. Não importa o que fazia, era mais um João trabalhando para um patrão, nesta forma capitalista de escravidão. Voltava a noite, só então via o filho e a mulher. Amava muito os dois, mas a mulher vivia desolada, pois na verdade sonhava em ser madame e viver uma vida de revista de fofocas. E o filho no seu universo de colégio e futebol via o pai como um estranho conhecido, que o beijava a testa cada noite e dormia com sua mãe. João seguia sua rotina de segunda a sexta sem reclamar. E no sábado pela manhã depois de repetir seu ritual quase religioso não punha o animal recém sacrificado no freezer e sim recolhia os outros seis que estavam ali os deixava sobre a pia degelando. Enquanto isso pegava uma desproporcional panela, a posicionava no fogão de lenha construído por ele mesmo. Colhia no quintal alguns vegetais providenciais. E fazia por toda a manhã uma bela galinhada. Quando tudo estava pronto, fumegante, e fragrante, servia pequenas porções em vasilhas descartáveis as quais ganhava mensalmente de uma empresa de embalagens. Saia então no seu carro precário em busca dos necessitados e com um misto de tristeza e satisfação oferecia o alimento àqueles que recebiam com a ânsia dos famintos. Em meia hora estava tudo consumado e consumido. No domingo depois de guardar a ave no freezer vazio ia à missa. Rezava a Deus para que desse pão aos que têm fome e fome de justiça aos que têm pão. Ou por outra, que desse galinha a quem têm fome e pena a quem têm galinha.

 Leonardo de Oliveira Cunha 

31/05/2005

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